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Opinião

A Mulher Maravilha do mundo moderno – Gabriela Pita

Foto: Arquivo Pessoal

Por Gabriela Pita

A mulher maravilha, heroína dos quadrinhos, que desde a minha infância povoa a minha imaginação, para mim sempre foi a mulher perfeita, forte, inabalável, incapaz de sentir dor, fraquejar, chorar, e sempre sonhei em ser essa mulher.

Recentemente, me deparei com uma foto da personagem mulher maravilha, com aspecto de muito cansaço e dor, retirando a sua “roupa”, e por baixo estava uma mulher ferida, repleta de hematomas e curativos. Ao me deter naquela foto passei alguns segundos refletindo e constatei emocionada e impactada o quanto aquela foto me representava, havia me tornado a “mulher maravilha” do mundo moderno, a mulher que a sociedade idealiza, que o feminismo abraça, uma mulher poderosa, independente, decidida, forte, inteligente, a mulher “perfeita”!

Sempre me inspirei em mulheres maravilhas, empoderadas, de diversos tipos, e hoje vejo mulheres se inspirando em mim, mas qual o “preço” que eu e muitas mulheres pagaram e pagam para chegar até aqui, para se tornar e continuar sendo a “mulher maravilha” (interrogação).

O que muitas pessoas não sabem é que de fato, debaixo da roupa da “mulher maravilha” existe uma mulher de carne e osso, e por isso, imperfeita, cansada, e nós não podemos nos sentirmos inferiores ou menores por isso. 

Há a necessidade de aprovação constante em todas as áreas de nossas vidas, precisamos estar sempre lindas, bem sucedidas, afetivamente resolvidas, sermos mães perfeitas, donas de casa, as melhores em tudo sempre, uma cobrança constante e dolorosa. 

A verdade que não é transmitida é que a mulher moderna está cansada. Cansada da “necessidade” de ser tanta coisa ao mesmo tempo, da futilidade da sociedade, do quanto as pessoas fingem que são felizes e do quanto ela tem que aguentar para manter a postura da “mulher maravilha”. 

Nossa, quantas guerras e batalhas a serem travadas e vencidas, mas nem sempre vencidas e, precisamos saber que ainda assim está tudo bem! Talvez ao final tudo não saia conforme almejamos, mas aceitar e confessar a fraqueza em nada abala a nossa maravilhosidade!

O principal é que sejamos mulheres de verdade, com vontade de construir uma história de verdade, pois “mulheres maravilhas” são reais, não perfeitas, e que maravilha é quando percebemos isso!

Gabriela Pita

Advogada e presidente da OAB – Subseção de Senhor do Bonfim

A redução de índices de violência passa pela repressão aos autores – Norma Cavalcanti, procuradora-geral de Justiça da Bahia

Foto: MPBA


Nesta quarta-feira, 08, é destinado para a comemoração do Dia Internacional da Mulher. A data marca a luta histórica das mulheres em busca de condições equiparadas às dos homens. Desde 1970 a data foi oficializada pela Organização das Nações Unidas.

Durante essa semana, o Justiça no Interior vai publicar entrevistas e textos de várias personalidades do meio jurídico baiano. Na segunda-feira, publicamos a entrevista com a desembargadora do TRE-BA, Carina Canguçu. Hoje é a vez da entrevista com a Procuradora-geral de Justiça da Bahia, Norma Cavalcanti

Natural de Inhambupe, a promotora ingressou no MPBA em 1992. Foi promotora de Justiça em Ibitiara, Araci, Cícero Dantas e Alagoinhas, sendo promovida para Salvador em 1999. Coordenou o Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça Criminais, foi presidente da Associação do Ministério Público da Bahia e da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público.

Desde 2020, Cavalcanti atua como Procuradora-geral de Justiça da Bahia e está em seu segundo mandato. Ela também é presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais. Na conversa com o Justiça no Interior, ela disse que “a redução de índices de violência passa pela repressão aos autores”.

CONFIRA:

Justiça no Interior: A Bahia tem péssimos índices em áreas fundamentais da sociedade, como educação e segurança. Qual será a articulação do MPBA para auxiliar na melhoria desses números e promover justiça social?

Norma Cavalcanti: O Ministério Público do
Estado da Bahia, instituição com papel fundamental na defesa da sociedade, da democracia e da ordem jurídica, tem investido no fortalecimento de suas estruturas, principalmente das promotorias de justiça, para que possa ser vetor de políticas públicas nas áreas mais carentes de nosso estado. Educação e segurança estão na ordem do dia da nossa instituição. É um trabalho constante e os resultados virão como fruto de um maior número de promotores atuando na área para ajudar os gestores públicos a diminuirem estes índices.
O investimento tem se realizado, principalmente, no quadro funcional de membros e servidores, para atuar nos municípios do interior onde não havia promotores titulares ou que apresentavam déficit de membros em relação à quantidade de juízes. De 2020 para cá, foram empossados mais de 30 novos promotores de justiça e pelo menos 50 servidores. E estamos com concurso em andamento para novos servidores.

Além disso, o MP desenvolve projetos voltados para a promoção de políticas públicas, que é responsabilidade do poder executivo, e acompanha e fiscaliza o andamento e os resultados. Na educação, temos projetos como o “educação inclusiva”, cujo objetivo é promover o direito da educação a todos, combatendo o capacitismo no ambiente escolar; recentemente, estive com o secretário estadual de educação tratando deste projeto; temos o “saúde + educação”, que consiste em inspeções técnicas a escolas e unidades de saúde para verificar as condições de funcionamento. Na segurança, o MP desenvolve o comitê interinstitucional de segurança pública (CISP), que promove articulação de diversos órgãos para adoção de medidas e políticas de enfrentamento à violência nos municípios baianos. Já são quase 40 CISP’s regionais pelo estado. Mantemos constante diálogo com a Secretaria de Segurança Pública, atuando como parceiros, sem descuidar do nosso papel de fiscal da lei e em defesa sociedade.

J.I.: Entre agosto de 2021 e julho de 2022, de acordo com a Rede de Observatórios de Segurança, houve um aumento de 47% nos casos de violência contra mulher na Bahia. Como mudar esse péssimo número?

N.C.: A redução de índices de violência passa pela repressão aos autores de crimes e também pela ação educativa preventiva. O MP tem uma atenção especial ao combate da violência contra a mulher. O nosso site de atendimento ao cidadão, lançado em 2021, conta com um espaço exclusivo para que a população faça denúncias de violência contra a mulher. Já no início deste ano, criamos o Núcleo de Enfrentamento às Violências de Gênero em Defesa dos Direitos das Mulheres (NEVID), órgão especializado para ações de combate e prevenção a esse tipo de violência. No NEVID as mulheres vítimas de violência conta com atendimento jurídico e também psicossocial.

J.I.: A denúncia é a principal arma para impedir um possível feminicídio?

N.C.: A denúncia pode evitar que situações e ações de violência, principalmente quando reiteradas, desemboquem na perda da vida da vítima. Então, é fundamental que as pessoas, vítimas ou testemunhas, denunciem. A violência doméstica acontece em todas as classes sociais. Temos o site de atendimento, temos o disque 127, que facilita o acesso da população baiana ao MP. Peço que todos liguem e denunciem casos de violência contra as mulheres. É fundamental. Além disso, políticas de estado envolvendo educação e segurança são fundamentais na redução desses índices alarmantes que em mais de 70% são cometidos por companheiros das vítimas.

J.I.: Em maio a senhora completa um ano a frente da Conselho Nacional dos Procuradores-gerais do MP. O que pode destacar da atuação do órgão?

N.C.: O CNPG é um importante órgão de articulação política institucional que discute e define importantes demandas e diretrizes para nossa atuação, com o objetivo de defender os princípios, prerrogativas e funções institucionais do Ministério Público brasileiro.
Posso destacar o trabalho desenvolvido junto ao Congresso Nacional; o acompanhamento das questões do Conselho Nacional do Ministério Público, apresentando notas técnicas sobre matérias institucionais em diversas frentes; da mesma forma, o acompanhamento no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), visando o fortalecimento do sistema de justiça e tribunais superiores; o fortalecimento da atuação do Grupo de Direitos Humanos (GDNH), que atua em defesa da saúde, do meio ambiente, da educação da infância e juventude, das pessoas idosas e com deficiência, no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Em junho de 2022, criamos o Grupo Nacional de Tecnologia da Informação (GNTI), que tem fomentado a interação entre as unidades ministeriais, de modo a promover o compartilhamento de projetos, experiências, ferramentas e dados, com vistas à expansão e desenvolvimento homogêneos de instrumentos de tecnologia da informação em todo o ministério público brasileiro. Já, no início deste ano, deliberamos pela criação do Grupo Nacional de Execução Penal (GNEX), para auxiliar o aperfeiçoamento da atuação do MP na fiscalização da execução da pena.
Também votamos os nomes do MP indicados para a vaga reservada à instituição no CNJ, enviando a lista tríplice para o Procurador-geral da República escolher. Agora, vamos fazer a eleição para três vagas dos estados do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). A eleição será no dia 26 de abril. Ressalto, também, o trabalho articulado no Grupo Nacional de Combate ao Crime Organizado (GNCOC), articulando com os GAECOS dos Ministérios Públicos dos Estados e da União, no combate à criminalidade macro. O CNPG também atuou na defesa do regime democrático, se posicionando contrário aos atos criminosos praticados na praça dos três poderes em Brasília, participando de reuniões interinstitucionais, entre elas, com o Ministro da Justiça, a Procuradoria Geral da República, além dos órgãos de segurança estaduais. Foi realizado termo de cooperação técnica e administrativa com o MPF para o desenvolvimento de ações integradas que visam à qualificação ao enfrentamento à macrocriminalidade nos estados, incluindo a Bahia, com maior agilidade e efetividade na investigação em persecução penal.

J.I.: Mulheres são maioria da população, dos eleitores, nas academias, mas minoria em espaços decisórios. Como mudar esse quadro?

N.C.: Acredito que a mudança se dá com educação, voltada para a igualdade de gênero e de direitos. A mulher, hoje, pode estar na função, no lugar que ela quiser. Mas precisamos seguir na luta, não de um momento só, e sim de continuidade. Então, devemos batalhar pela educação e conscientização da sociedade, sendo exemplo e mentoras, para que mais mulheres assumam funções de promotora, professora, juíza, cargos políticos. No espaço político, há ainda um déficit muito grande da presença feminina, porque ainda há um número muito minoritário de mulheres no poder legislativo. Já no sistema de justiça isso não ocorre, os números hoje são equivalentes entre homens e mulheres. O MP da Bahia é um órgão privilegiado, porque tem mulheres na sua chefia, na sua Corregedoria e na sua Ouvidoria. Hoje temos mais mulheres do que homens na instituição. São 305 mulheres, promotoras e procuradoras de justiça, e 291 homens, promotores e procuradores. E são 1.163 servidoras e 910 servidores. Para além dessa luta por espaços de poder, é necessário o combate diário pela redução da violência. Porque o que todas as mulheres ainda sentem hoje é o número de violência crescente contra nós. O que costumo dizer para os homens é que, se somos a maioria, a outra parte veio de nós, são nossos filhos. Então, os homens não devem nos considerar como adversárias, mas como parceiras, para trabalhar por um país melhor e igualitário, entre homens e mulheres.

J.I.: O MP é um ramo do direito. Qual mensagem a senhora deixa para uma menina que sonha em seguir essa área?

N.C.: Sou suspeita nessa área. Para mim, é uma das melhores carreiras, que permite uma dimensão mais igualitária. Nos concursos, nós nos igualamos e as oportunidades são para todos. Sem nunca deixar de ser mulher, buscar por meio do estudo aquilo que se almeja, seja em qualquer área, sendo boa naquilo que você faz. Se você for uma dona de casa, seja uma excelente dona de casa. Se for uma política, realmente exerça o papel com maior dignidade possível. A mulher pode crescer em qualquer área, quanto ela faça com competência, com sabedoria e com a humanidade que são próprias das mulheres. Nós mulheres não queremos nem mais nem menos, apenas direitos iguais.

Os caminhos costumam ser mais desafiadores para as mulheres – Carina Canguçu, desembargadora do TRE-BA

Foto: Ricardo Oliveira

Na próxima quarta-feira, 08, será comemorado o Dia Internacional da Mulher. A data foi oficializada pela Organização das Nações Unidas na década de 1970 e marca a luta histórica das mulheres para terem suas condições equiparadas às dos homens.

Durante essa semana, o Justiça no Interior vai publicar entrevistas e textos de várias personalidades do meio jurídico baiano. A primeira personagem é a desembargadora do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, Carina Canguçu Virgens.

A juíza é formada em Direito pela Universidade Católica do Salvador e especialista em Direito Administrativo pela Faculdade Baiana de Direito. Integra o Colégio Permanente de Juristas da Justiça Eleitoral e é membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Política.

Desde 2019, ela atua como desembargadora do TRE-BA Na conversa com o Justiça no Interior ela disse que, assim como em várias áreas, no direito “os caminhos costumam ser mais desafiadores para as mulheres”.

CONFIRA:

Justiça no Interior: A senhora está em seu segundo mandato no TRE-BA e passou por duas eleições. Qual o principal desafio neste período?

Carina Canguçu: No Tribunal Regional Eleitoral nós temos muitos desafios, sendo o principal deles zelar pela democracia, garantido que os pleitos eleitorais aconteçam dentro da normalidade jurídica e do respeito ao Estado Democrático de Direito. Temos ainda a missão de julgar ações eleitorais, levando em conta todos os elementos dos processos, ouvindo partes, colegas da advocacia e zelando pelo amplo acesso à justiça e à transparência. Fazer parte do TRE-BA é sem dúvidas um grande aprendizado diário e um trabalho que me realiza como profissional do direito e cidadã. Não há sociedade democrática sem uma Justiça Eleitoral forte, independente e assertiva.

J.I.: Desde 1999 a senhora atua no Direito Eleitoral. Trabalhou como Procuradora Jurídica em diversos municípios. Uma mulher enfrenta mais dificuldades durante seu trabalho?

C.: Acredito que no Direito e em todas as áreas profissionais os caminhos costumam ser mais desafiadores para as mulheres. Vivemos em uma sociedade que tem base histórica no patriarcado, com práticas e conceitos que ainda não permitem a total igualdade de gênero. Felizmente tudo isso vem se transformando, sou otimista e consigo enxergar muitos pontos de evolução. Sim, na minha caminhada enfrentei esses desafios, mas também encontrei muitos profissionais que me apoiaram e foram fundamentais nesta trajetória. As mulheres podem e devem ocupar qualquer espaço, inclusive no ecossistema do Direito. É preciso, de uma vez por todas, reforçar a necessidade de termos ambientes sociais que privilegiam a diversidade, o respeito e não toleram o preconceito. Falar sobre isso é fundamental para que essas dificuldades sejam reduzidas nas novas gerações.

J.I.: Vocês são maioria na população, entre eleitores, nas academias, mas ocupam poucos espaços de poder. Como mudar isso?

C.: Para mudar este cenário é preciso estar presente, fazer parte dos centros de conversa e reafirmar a igualdade entre homens e mulheres. Tive uma experiência muito rica em 2022, quando fui candidata ao Quinto Constitucional pela Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Bahia. Nunca tivemos, infelizmente, em nosso estado, uma desembargadora pelo Quinto Constitucional. Como isso vai mudar? Com mais mulheres participando, ocupando seus espaços de fala e de protagonismo. Coloquei meu nome à disposição da classe, tive a honra de ter sido a terceira mais votada entre todos os candidatos e entrar na lista sêxtupla da OAB-BA, juntamente com outras duas colegas mulheres. As mulheres têm conquistado avanços e assim será, porque estamos com mais autonomia, liberdade e condições de apresentar nossas capacidades para liderar processos na sociedade e transformar realidades.

J.I.: No TRE-BA são só duas mulheres desembargadores. Faltam mulheres em espaços decisórios?

C.: Não só no TRE-BA, mas na grande maioria dos órgãos de poder a participação feminina ainda é menor do que deveria ser. Essa é uma realidade que vem sendo transformada e eu fico muito honrada de fazer parte deste momento de transformação. Nós mulheres nunca estamos ocupando um espaço sozinhas, porque sempre vamos representar muitas que lutaram para que essa revolução acontecesse. Então, sobre o tema, tenho certeza que ainda temos a necessidade de aumentar as oportunidades para mulheres, mas também é preciso dizer que esse cenário tem melhorado e nossos esforços serão para dar ainda mais velocidade a essas mudanças.

J.I.: Qual recado a senhora deixa para uma menina que sonha em entrar na carreira do direito?

C.: A carreira do Direito é para pessoas apaixonadas por justiça, transformações sociais e que tenham enorme empatia pelo ser humano. Afinal, nessa área, nossa rotina é garantir que as leis sejam cumpridas, respeitando a liberdade das pessoas e os limites para que todos e todas possam viver pacificamente e ordeiramente em sociedade. Quero dizer a todas as mulheres que sonham em fazer parte deste mundo, que se encorajem e venham. Mulheres possuem a capacidade de transformar, de fazer acontecer. Não só no Direito, mas em qualquer espaço que elas fazem parte.

Há verdadeira sub-representação feminina – Rosa Weber

Foto: STF

A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Rosa Weber, relembrou nesta sexta-feira, 24, o Dia da Conquista do Voto Feminino no Brasil. Ela destacou também uma marca atual que não pode ser comemorada: os insatisfatórios índices de presença das mulheres nos espaços de poder. 

“O déficit de representatividade feminina significa um déficit para a própria democracia brasileira. Não é uma busca apenas em benefício das mulheres, mas de todos, e se confunde, por isso mesmo, com o próprio fortalecimento da democracia”, disse.

Confira abaixo a íntegra da manifestação da ministra.

“Hoje, dia 24 de fevereiro, comemora-se o Dia da Conquista do Voto Feminino no Brasil, nos termos da Lei nº 13086/2015. A data marca os 91 anos do Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, que instituiu o Código Eleitoral na era Vargas.

Em 3 de maio de 1933, as mulheres brasileiras puderam votar, pela primeira vez, na eleição que escolheu uma nova Assembleia Nacional Constituinte, muito embora a instituição do voto feminino se tenha feito com restrições, limitado que foi às mulheres casadas com autorização do marido e às viúvas e solteiras que tivessem renda própria.

A médica Carlota Pereira de Queirós foi a primeira mulher a ser eleita deputada federal na América Latina e a única eleita para compor os trabalhos constituintes. Outra candidata, Berta Lutz, veio a conquistar a primeira suplência, pelo Distrito Federal. Entre as “deputadas das profissões”, foi escolhida mais uma mulher, Almerinda Gama, representante classista do Sindicato dos Datilógrafos e Taquígrafos e da Federação do Trabalho do Distrito Federal.

A Constituição então redigida, ao ser promulgada no ano seguinte, retirou as restrições anteriores, mas consignou a facultatividade do voto feminino – ao contrário do voto masculino, que era obrigatório –, diferença que só veio a ser abolida pela Constituição de 1946.

Ainda hoje insatisfatórios os índices de presença das mulheres na política, em que há verdadeira sub-representação feminina, a despeito de as mulheres serem a maioria da população.

O Brasil se situa entre os últimos colocados no ranking da presença feminina nos parlamentos dos países da América Latina e do mundo, enquanto, por exemplo, a Argentina, Bolívia, México e Paraguai já estão a alcançar a paridade de gênero. Aliás, o mesmo vale para o próprio Poder Judiciário, em especial no tocante à composição dos Tribunais Superiores.   

O déficit de representatividade feminina significa um déficit para a própria democracia brasileira. Não é uma busca apenas em benefício das mulheres, mas de todos e se confunde, por isso mesmo, com o próprio fortalecimento da democracia. Sempre oportunas as palavras de Michelle Bachelet: “quando uma mulher ingressa na política, transforma-se a mulher, quando muitas mulheres ingressam na política, transforma-se a política”.

Reverter essa disparidade histórica de representação é um desafio que a todos se impõe: homens e mulheres, partidos políticos, sociedade civil e instituições de Estado – Legislativo, Executivo e Judiciário. Trata-se, na verdade, de aperfeiçoar a democracia, transformando um potencial direito em direito efetivamente exercido.

Aqui no STF estamos e continuaremos – a esta Suprema Corte confiada a guarda da Constituição por delegação expressa da Assembleia Nacional Constituinte – empenhados na defesa da democracia e no aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito.”

As informações são do STF

Um dos primeiros países do mundo a universalizar o voto – Alexandre de Moraes

Foto: TSE

Nesta sexta-feira, 24, o Brasil comemora os 91 anos desde que as mulheres passaram a ter a prerrogativa de participar da escolha dos representantes políticos por meio do voto. O direito só foi reconhecido por meio do Decreto nº 21.076, do então presidente Getúlio Vargas.

Com a instituição do Código Eleitoral, também naquele ano foi criada a Justiça Eleitoral. Já em maio de 1933 foi eleita a Assembleia Constituinte para aprovar uma nova Constituição, que incorporou o sufrágio feminino para maiores de 18 anos, alfabetizadas, sem restrição ao estado civil e somente obrigatório para as servidoras públicas.

Já a Constituinte de 1946, promulgada em 18 de setembro, tornou obrigatório o voto para homens e mulheres alfabetizados de todo o país. Em 1988, a Constituição estendeu o direito de voto a homens e mulheres analfabetos. 

O Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Alexandre de Moraes, lembrou a data durante a sessão plenária de quinta-feira, 23, ressaltando que o Brasil foi “um dos primeiros países do mundo a universalizar o voto, inclusive para todas as mulheres”. 

Ele também destacou que, em 91 anos, a Justiça Eleitoral é fundamental para a construção contínua da democracia no Brasil, e que é “importante lembrarmos e comemorarmos” sempre o dia 24 de fevereiro de 1932.

As informações são do TSE

Necessário, pois, reagir, com vigor e determinação, sempre sob o império da lei – Celso de Mello

Foto: STF

POSICIONAMENTO PUBLICADO APÓS OS ATAQUES AOS TRÊS PODERES, EM 08 DE JANEIRO DE 2023

O que pode explicar o comportamento de pessoas retrógradas e despreparadas que se valem da violência política para impor, de modo ilegítimo e autoritário, a sua distorcida concepção de mundo?

Esses agentes do obscurantismo, que se notabilizam por seu perfil intolerante e visão hostil às instituições democráticas, beneficiam-se, paradoxalmente, da tolerância, que constitui um dos signos configuradores do próprio regime democrático!!!

Torna-se importante não desconhecer, neste ponto, a conhecida advertência de Karl Popper quando, ao examinar o tema da sociedade aberta (e democrática) em face de seus inimigos, responde à seguinte indagação: até que ponto a democracia, para autopreservar-se, deve tolerar os intolerantes?

Para Popper, ‘A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da própria tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles. (…)’!

Inquestionável, portanto, que uma sociedade fundada em bases democráticas deve ser essencialmente tolerante e, por isso mesmo, estimular o respeito harmonioso na formulação do dissenso, em respeito aos que divergem de nosso pensamento, de nossas opiniões e de nossas ideias!

Mas não deve nem pode viabilizar a ‘tolerância ilimitada’, pois esta, se admitida, leva à supressão da própria tolerância, à eliminação dos tolerantes e à aniquilação da própria ideia e sentido de democracia!!!

Neste particular momento de nosso processo político, revela-se essencial que a cidadania comprometida com o respeito à institucionalidade empenhe-se na defesa incondicional das instituições democráticas de nosso País e na proteção das liberdades fundamentais, porque expostas, neste momento, a ataques covardes e criminosos dos hunos que as assediam com o subalterno (e corrosivo) propósito de vulnerá-las e de vilipendiá-las em sua integridade!!!

Torna-se importante, por tal razão, que aqueles que respeitam a institucionalidade e que prestam fiel reverência à nossa Constituição reajam — e reajam sempre com apoio e sob o amparo da Lei Fundamental do Brasil — às sórdidas manobras golpistas, às sombrias conspirações autocráticas e às inaceitáveis tentações subversivas de submeter o nosso País a um novo e ominoso período de supressão das liberdades constitucionais e de degradação e conspurcação do regime democrático!!!

Necessário, pois, reagir, com vigor e determinação, sempre sob o império da lei, à ação criminosa de mentes autoritárias e de pessoas infensas ao primado da ideia democrática, que agem movidas por inaceitáveis tentações autoritárias e por práticas abusivas e sediciosas que degradam, deformam e deslegitimam o sentido democrático das instituições e a sacralidade da própria Constituição!.

Celso de Mello

Graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da USP, em 1969

Ingressou no Ministério Público do Estado de São Paulo, em 1970

Ministro do Supremo Tribunal Federal entre 1989 e 2020

O pressuposto do perdão é o esquecimento – Cristiano Chaves de Farias

Foto: Arquivo Pessoal

TEXTO PUBLICADO INICIALMENTE NO MEU SITE JURÍDICO

É comum no cotidiano das pessoas perdoar, deixar para lá, condutas e fatos do outro. A humanidade que nos caracteriza é, por essência, imperfeita e, por conta disso, é natural que certos atos e condutas produzam mágoa, chateação, desconforto….

O perdão, nesse contexto, serve como instrumento para viabilizar as relações humanas.

O homem é ser gregário. Porém, cada um carrega consigo, como tatuagem, as marcas de sua história familiar e pessoal: as fraquezas, os fracassos, as alegrias, as tristezas, os desejos, os anseios…. E, assim, naturalmente, o convívio entre os humanos gera tensões, conflitos, que decorrem, em última análise, da própria essência humana.

Isso não mudará. Até porque continuaremos vivendo e convivendo. E continuaremos tendo de “perdoar e ser perdoado, compreender e ser compreendido, amar e ser amado”, como vaticina a sensível e isonômica Oração de São Francisco. Não teremos a pacata e solitária vida de Robinson Crusoé (que, em sua ilha deserta, somente tinha a companhia do Índio Sexta-Feira) ou do Náufrago, protagonizado por Tom Hanks (que, por seu turno, se restringia ao convívio com Wilson – uma bola de tênis, com quem não conseguia desenvolver conflitos por motivos óbvios).

O perdão integra a própria falibilidade humana, decorrente de sua humanidade. Não há como conviver sem perdoar. É bem verdade que alguns perdoam mais facilmente. Para outros, o preço do perdão são horas de choro ou conversa. Até os escorpianos (que, aparentemente ao menos, não conjugam o verbo perdoar) perdoam!

Chamo a atenção, todavia, para algo de grande relevância: o pressuposto do perdão é o esquecimento!!! Quem perdoou não pode lembrar posteriormente do episódio como uma espécie de chantagem diferida no tempo. Até porque a pessoa perdoada estabelece a lícita e justa confiança de que o fato está encerrado pelo perdão concedido. Em linguagem jurídica, viola a boa-fé relembrar acontecimentos perdoados!!! Seria permitir a criação de “expectativas desleais”, como diz a música da VANESSA DA MATTA.

Dizer que perdoa, mas não esquece, significa não perdoar!!! É guardar consigo, e em si, o sentimento negativo decorrente de uma situação pretérita.

Não se estando pronto para o esquecimento, não é o momento de perdoar. É melhor, então, dar um tempo para o próprio tempo porque, como diz o poeta contemporâneo LULU SANTOS, “tudo muda o tempo todo no mundo”. Alias, bem antes dele, HERACLITO, um dos mais influentes filósofos pré -Socrático, bem afirmava ser impossível se banhar duas vezes no mesmo rio, exatamente porque as águas passam e mudam.

Nessa ordem de ideias, por conseguinte, a conclusão a que se chega é que se o perdão integra a nossa humanidade, o esquecimento também está em nossa essência. Alias, não raro, muita vez, o esquecimento faz mais bem a quem está perdoando (e esquecendo) do que a quem foi perdoado.

Poucos conseguiram expressar tão bem essa percepção quanto FABRÍCIO CARPINEJAR: “a saudade já é perdão. Sentir saudade é desculpar. Se você vem sentindo saudade é que esqueceu, é que não guardou mágoa, é que superou o ressentimento, é que dispensou a vingança, é que resolveu por dentro, com a quietude da esperança”.

Exatamente por essas considerações (um tanto psicológicas, um tanto poéticas), captando ideias oriundas do direito europeu (notadamente da Itália, Espanha e Portugal), o nosso sistema jurídico esteja reconhecendo, como um verdadeiro direito da personalidade, o direito ao esquecimento (diritto dell’ oblio, como dizem os italianos). Trata-se de situação jurídica que integra a essência de cada ser, pela sua própria humanidade: as pessoas possuem o direito de terem esquecidos certos fatos, que se colocam em uma paragem remota de um tempo que já passou, não mais produzindo efeitos, nem merecendo integrar o presente, exatamente por não ter futuro.

Não se trata de um direito de apagar ou alterar a história. Menos ainda o direito de se exonerar da responsabilidade (civil e penal) que deflui de nossos atos. Apenas a garantia de que certos fatos que já esvaíram não atormentem a vida atual. O Direito Penal, de há muito, reconhece um direito ao esquecimento das práticas criminosas através da chamada reabilitação – que impede que o fato delitivo acompanhe a vida da pessoa sempre, e para sempre.

De modo sensato e razoável, a orientação jurisprudencial que emana do STJ é no sentido de que o direito ao esquecimento está submetido a uma ponderação (balanceamento) entre os interesses contrapostos: a dignidade de uma pessoa e o interesse na informação e na liberdade de expressão e de imprensa da coletividade. Somente em cada caso, sopesados os valores presentes, é que se concluirá por uma, ou outra, prevalência. Já se teve oportunidade de reconhecer o direito ao esquecimento de uma pessoa que foi acusada pelo MP de participar de Chacina da Candelária, mas absolvida em todas as instâncias judiciais, impedindo a Rede Globo de veicular seu nome em programas sobre o episódio (STJ, REsp.1.334.097/RJ, rel. Min. Luís Felipe Salomão). A outro giro, todavia, foi negado à apresentadora Xuxa Meneghel o direito de impedir o Google de conduzir usuários a informações sobre a sua participação em um filme no qual contracenou uma cena erótica com um adolescente, na década de 80 do século passado (STF, Recl 15.955/RJ, rel. Min. Celso de Mello).

Recebi do amigo (e talentoso Professor de Direito Previdenciário) IVAN KERTZMAN a notícia de que, na Inglaterra, se proibiu o Google de veicular informações sobre uma pessoa, exatamente a partir de uma ponderação dos interesses presentes, na medida em que não há direito absoluto, sendo crível prevalências casuísticas (https://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2018/04/15/mais-um-precedente-google-perde-acao-e-homem-tem-direito-a-ser-esquecido.htm).

O Direito, enfim, é ciência humana aplicada em concreto. Por isso, as situações que permeiam e integram a humanidade das pessoas também estarão presentes no sistema jurídico. Assim sendo, o perdão pode produzir efeitos jurídicos, sem chantagens – por exemplo, o art. 1.818 do Código Civil assevera que o perdão do autor da herança ao herdeiro indigno é irrevogável e irretratável. E, de igual sorte, como o pressuposto do perdão é o esquecimento, o sistema jurídico também reconhece que algumas pessoas têm esse direito, enquanto outras possuem a obrigação de esquecer certos acontecimentos.

Se isso é humano, Isso também é jurídico.

E, sinceramente, perdoar e esquecer pode fazer muito bem às pessoas e ao Direito, como um todo. Afinal de contas, como propõe o inesquecível RUBEM ALVES, “é preciso esquecer para desatar os nós que, no passado, amarramos para toda a eternidade. Grande perdão, grande esquecimento: podemos voar de novo, livres….”

Cristiano Chaves de Farias

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Mestre em Ciências da Família na Sociedade Contemporânea pela Universidade Católica do Salvador (UCSal). Professor de Direito Civil da Faculdade Baiana de Direito e do Complexo de Ensino Renato Saraiva. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).

A Lei nº 14.155/21 e a criminalização das fraudes eletrônicas – Rafaela Alban

Foto: Arquivo Pessoal

Com a pandemia do COVID-19, os crimes cibernéticos acabaram tomando o lugar dos crimes de furto e roubo nos dados estatísticos na Corregedoria Nacional de Justiça e das Secretarias de Segurança Pública.

O aumento significativo dessa modalidade delitiva decorreu de diversos fatores, especialmente da redução da circulação de pessoas nas ruas, da maior exposição da vida pessoal em redes sociais e do uso mais intenso da internet, de dispositivos eletrônicos e do consumo via e-commerce. De fato, junto a uma reinvenção social quanto à forma de trabalhar, se relacionar e comprar num contexto pandêmico, apareceram, com muita intensidade, as fraudes eletrônicas.

No âmbito cível, as discussões sobre a responsabilidade do fornecedor, principalmente no caso de marketplaces – plataformas digitais para intermediação de compra e venda (como Booking, OLX, Mercado Livre, etc.) – tornaram latente a preocupação das empresas com a sua postura perante o fornecedor que venha a ser vítima de uma fraude.

Nesse aspecto, é possível encontrar na jurisprudência precedentes no sentido da responsabilidade da empresa, em face da não checagem da autenticidade do anúncio autorizado pelo site, da validação do anúncio (pela teoria da aparência) ou da própria atividade lucrativa desenvolvida (na forma da teoria do risco). Da mesma forma, vão existir diversos julgados no sentido da ausência de responsabilidade do provedor online, especialmente nos casos em que ele funciona como mera vitrine e não realiza nenhum ato de intermediação entre vendedor e comprador.

No âmbito penal, o fato social culminou num “direito penal de emergência”. No último dia 27 de maio, entrou em vigor a Lei nº 14.155/21, através da qual foram aumentadas significativamente as penas do crime de invasão de dispositivo informático e estabelecida a chamada criminalização da “fraude eletrônica”, com supressão da possibilidade de aplicação de acordo de não persecução penal e de mecanismos de justiça penal negocial.

A Lei nº 14.155/21, que já ficou conhecida como “Lei das Fraudes Eletrônicas”, promoveu importantes alterações no Código Penal e Processual Penal, que atingem basicamente três crimes: invasão de dispositivo informático (154-A), furto (155) e estelionato (171). Nesse sentido, concedeu-se mais intensidade à criminalização dos delitos informáticos, discutidos e inseridos por meio da Lei nº 12.737/12, chamada “Lei Carolina Dieckmann”, que representou mais um retrato do Direito penal de emergência em face do caso da invasão do dispositivo e divulgação de conversas íntimas, além de fotos da atriz em cenas de nudez.

No crime de invasão de dispositivo informático (art. 154-A, CP), a nova lei corrigiu um erro da redação anterior, substituindo os termos “alheio” e “titular” por “uso alheio” e “usuário”, de modo a abarcar a frequente situação em que a vítima que tinha sua privacidade violada não era a proprietária do equipamento invadido, como no caso de computadores do trabalho ou de pessoas que convivem na mesma residência.

Ainda concedendo maior amplitude ao tipo penal incriminador, a Lei das Fraudes Eletrônicas suprimiu a expressão “mediante violação indevida de mecanismo de segurança”, passando a dispensar o desnecessário requisito de existência de aparatos de segurança no dispositivo invadido – a exemplo de firewall, antivírus, anti-malware, antispyware ou de senha para acesso – para a caraterização do crime previsto no art. 154-A do Código Penal.

Dessa forma, a Lei nº 14.155/21 atendeu a questionamentos doutrinários sobre os termos utilizados pelo legislador e estabeleceu uma “novatio legis in pejus”, que ficou à maior evidência nas mudanças promovidas nas penas abstratas.

Se antes as penas eram de 3 meses a 1 ano (forma simples) e 6 meses a 2 anos (forma qualificada), com causa de aumento de 1/6 a 1/3 no caso de prejuízo econômico resultante da invasão do dispositivo e previsão expressa de subsidiariedade das penas (“se a conduta não constitui crime mais grave”); hoje as penas aumentaram significativamente: 1 a 4 anos (forma simples), 2 a 5 anos (forma qualificada) e aumento de 1/3 a 2/3 no caso de prejuízo econômico causado à vítima.

Com a mudança, o art. 154-A do CP (na sua forma simples e qualificada) deixa de ser crime de menor potencial ofensivo, não estando mais sujeito à competência do Juizado Especial Criminal e passa a ser cabível suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/95) apenas na modalidade do caput; ou seja, quando o agente não obtém conteúdo de comunicações eletrônicas privadas (a exemplo de e-mails e diálogo de programas de troca de mensagens), segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas (assim definidas em lei) ou o controle remoto do dispositivo invadido.

No crime de furto (art. 155, CP), por sua vez, foram inseridos os §§4º-B e 4º-C, com previsão específica do furto qualificado mediante fraude eletrônica, com pena abstrata de 4 a 8 anos de reclusão, que poderá ser aumentada nos casos de utilização de servidor estrangeiro (1/3 a 2/3) ou de vítima idosa ou vulnerável (1/3 ao dobro), entendido, esse último, como aquele menor de 14 anos ou que, por enfermidade, deficiência mental ou outra causa, não tiver o necessário discernimento.

Trata-se, portanto, de mais uma “novatio legis in pejus”, pois antes se o autor invadisse o computador da vítima, instalasse um malware, identificasse sua senha e subtraísse valores de conta bancária, estaria cometendo crime de furto mediante fraude (art. 155, § 4º, II, do CP), com pena de 2 a 8 anos. Depois da Lei nº 14.155/21, a conduta passou a ser enquadrada no §4º-B, na forma da nova redação, com pena abstrata de 4 a 8 anos.

A mudança na pena, além de gerar sérios questionamentos quanto à proporcionalidade (já que pode culminar penas de até 16 anos, bem maiores do que aquelas previstas para alguns delitos praticados com violência ou grave ameaça) é de extrema relevância. Isso porque, na contramão da tendência normativa de ampliação do direito penal negocial, foi inviabilizado o acordo de não persecução penal, que, dentre os seus requisitos objetivos, exige pena mínima abstrata inferior a quatro anos (art. 28-A, CPP).

Tal situação não difere muito do que ocorreu com o crime de estelionato (art. 171, CP), no qual foi introduzida a previsão da “fraude eletrônica”, que preferimos chamar de “estelionato eletrônico”, como uma forma qualificada de fraude “cometida com a utilização de informações fornecidas pela vítima ou por terceiro induzido a erro por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou envio de correio eletrônico fraudulento, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo”. Para o estelionato eletrônico, em outro reflexo de desproporcionalidade da norma, foi prevista a mesma pena do furto mediante fraude eletrônica (4 a 8 anos de reclusão), com causa de aumento no caso de utilização de servidor estrangeiro (1/3 a 2/3) e de vítima idosa ou vulnerável (1/3 ao dobro).

Aqui encontra-se a única alteração promovida em benefício do réu (novatio legis in melius): nos casos de vítima idosa a causa de aumento deixa de ser fixa (“aplica-se a pena em dobro”) e passa a ser variável (“a pena aumenta-se de 1/3 ao dobro”), podendo, portanto, apenas nesse ponto, retroagir para fatos cometidos antes da sua vigência.

As mudanças promovidas pela Lei nº 14.155/21 foram significativas, inclusive no âmbito do processo penal, já que, com o acréscimo do §4º ao art. 70 foi estabelecida a competência ratio loci pelo domicílio da vítima (ou por prevenção, no caso de pluralidade de vítimas) para os crimes “praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores”. Com isso, ficam sem efeito as antigas Súmulas 244 do STJ e 521 do STF, que, há muito, previam a competência do local do banco sacado para o processamento e julgamento de estelionatos praticados por emissão de cheque sem fundos.

Entre avanço e retrocesso legislativo, observa-se que ainda há muito a evoluir no âmbito da criminalização das fraudes eletrônicas, seja para fins de evitar uma confusão entre o furto mediante fraude eletrônica (caso em que a fraude é utilizada para burlar a vigilância da vítima, p.ex. instalação de Cavalo de Tróia para identificar senhas e subtrair dinheiro em conta corrente) e a fraude eletrônica, que pode ser melhor denominada de estelionato eletrônico (caso em que a fraude é utilizada como meio para obter o consentimento da vítima, que entrega voluntariamente o que o agente deseja, p.ex. clonagem de conta das redes sociais para pedir dinheiro a conhecidos da vítima); seja para conceder proporcionalidade às penas de um crime praticado sem violência ou grave ameaça ou simplesmente para garantir acordos de não persecução penal, de forma coerente ao espírito legislativo empregado nas últimas reformas.

Ademais, é importante registrar que o simples fato de criminalizar não resolve o problema social e a estipulação de penas desproporcionais parece mais descreditar a lei do que lhe conceder o ideal caráter coator para fins de intimidação geral.

Rafaela Alban

Advogada; Doutora e Mestra em Direito Público, na linha de Direito Penal (UFBA); Especialista em Ciências Criminais (UFBA), em Direito Penal Econômico (Coimbra) e em Teoria Jurídica do Delito (Salamanca); Professora de Direito Penal e Processo Penal do Centro Universitário Jorge Amado. (UNIJORGE).

Psicopatia e violência doméstica: uma questão de revisão normativa e implementação de Políticas Públicas – Rafaela Alban

Foto: Arquivo Pessoal

TEXTO PUBLICADO INICIALMENTE NO BOLETIM DO SINDICATO DOS DELEGADOS DE POLÍCIA DO ESTADO DA BAHIA

A violência doméstica é um tema que faz parte do cotidiano, visto que, corriqueiramente, mulheres são vítimas de agressões físicas, sexuais, patrimoniais, psicológicas e morais, perpetradas por pessoas pertencentes a sua unidade doméstica, familiar ou com quem detém, ou já detiveram, relação íntima de afeto.

Como um problema social que impõe a criação e implementação de políticas públicas, a violência doméstica tem sido analisada sob diversas óticas, inclusive no que diz respeito à necessária compreensão das suas causas e das correlações com características individuais dos agressores. Nesse aspecto, vários estudos e investigações se propõem a identificar patologias ou características da personalidade que possam vir a ser determinantes no envolvimento de sujeitos em comportamentos domésticos violentos.

Como resultado desses estudos, é comum a associação de indivíduos agressores à diagnósticos de transtornos mentais ou de personalidade, o que impõe uma reflexão acerca da necessidade de implementação de programas de prevenção e intervenção mais adequados, especialmente diante das discussões dogmáticas do Direito Penal quanto à (in)imputabilidade dos detentores dessas patologias e ao imperativo de conceder efetividade ao combate à violência doméstica contra a mulher.

Dentre as patologias, principalmente em razão de comportamentos reflexos adotados nos seios de maior convivência, chama a atenção a figura da psicopatia ou sociopatia, caracterizada tecnicamente como um Transtorno de Personalidade Antissocial, segundo o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais de 2014 (DSM-5).

O diagnóstico do Transtorno de Personalidade Antissocial é realizado, dentre outros fatores, a partir da seguinte anamnese: ausência de emoções, comportamentos indiferentes quanto aos sentimentos de outros indivíduos, ausência de tolerância a frustrações, desprezo por ordem/normas e possibilidade de exaltação de fúria em atos violentos ou cruéis. O psicopata é, portanto, um indivíduo com eloquência e superficialidade, egocêntrico e grandioso, enganador, manipulador e detentor de emoções superficiais e efêmeras.

Embora não apresente indícios clássicos de portadores de doença mental (ausência de desenvolvimento cognitivo), o psicopata é capaz de apresentar sinais de insensibilidade e de falta de empatia, remorso ou culpa, que caracterizam a adoção de um comportamento socialmente atípico.

Quando tais características são examinadas no âmbito doméstico e familiar, é possível reconhecer atitudes e condutas frequentes relacionadas à falta de laços afetivos, educação excessivamente punitiva, exigências irracionais, palavras ou ações violentas, abuso de álcool ou drogas, utilização da mentira, relações interpessoais de mero prazer, diversão, perversão ou status e uma capacidade de levar uma convivente ao seu limite.

Até mesmo por isso, é necessário observar que o comportamento violento, doméstico, familiar ou afetivo, do homem contra a mulher não deve ser rotulado como simples fruto de imposição de poder, de dominação masculina ou submissão feminina, devendo ser estudado de forma mais ampla, com o escopo de compreender adequadamente aspectos psicológicos e psicopatológicos do agressor, até mesmo para o alcance efetividade da Lei Maria da Penha.

Afinal, é por demais sabido que o simples ato de criminalizar as agressões, de estabelecer medidas protetivas que obrigam o agressor e que tutelam a integridade da ofendida não resolve o problema social da violência doméstica que, em grande parte dos casos, está associado a diagnóstico de uma patologia incurável, que possui, dentre as suas principais características, a insensibilidade e o desrespeito às regras.

Isso porque, não sendo possível a classificação do transtorno como uma “doença mental”, mas havendo afetação da capacidade volitiva e necessidade de controle medicamentoso, estar-se diante de uma discussão dogmática acerca da caracterização de uma situação jurídica de imputabilidade, semi-imputabilidade ou inimputabilidade, que pode vir a esbarrar em questões penais relativas à duração máxima da pena privativa de liberdade, em discussões éticas relativas à imposição de tratamento e em aspectos médicos associados à ausência de cura que sirva de parâmetro para a duração de uma medida de segurança.

De fato, não havendo que se falar em “doença mental”, quiçá em qualquer comprometimento – total ou parcial – da capacidade intelectiva, de compreensão do caráter ilícito do fato (na forma do art. 26, CP), parece mais adequado o tratamento do psicopata como um sujeito imputável (que excepcionalmente depende de tratamento médico) e, portanto, passível de responsabilização através de uma pena e de submissão a qualquer das medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha.

Entretanto, a questão crucial é observar a dificuldade da vítima de violência doméstica de denunciar o agressor psicopata (usualmente estrategista e manipulador), o raro atendimento das obrigações impostas (diante do característico descumprimento de normas) e a incompatibilidade das medidas protetivas legais com a situação específica (que impõe, mais do que o afastamento do lar e proibição de contato, a inclusão do indivíduo em programas de tratamento médico especializado).

Portanto, uma vez já evidenciada o grande número de casos de violência doméstica praticados por portadores de transtornos de personalidade, resta imperiosa agora uma revisão normativa, para inclusão de Medidas Protetivas relativas a tratamentos medicamentosos, e, principalmente, a adoção de outras políticas públicas, até mesmo no sentido de implementação de um cadastro de portadores dessas patologias. Afinal, lamentavelmente, os instrumentos normativos atuais não estão aptos a resolver essa questão!

Rafaela Alban

Advogada; Doutora e Mestra em Direito Público, na linha de Direito Penal (UFBA); Especialista em Ciências Criminais (UFBA), em Direito Penal Econômico (Coimbra) e em Teoria Jurídica do Delito (Salamanca); Professora de Direito Penal e Processo Penal do Centro Universitário Jorge Amado. (UNIJORGE).

Crítica ao chamado “Homem Médio” como barema de uma culpabilidade moralizante – Sebastian Borges de Albuquerque Mello

Foto: UFBA 

“A conduta social do acusado, diante das informações obtidas dos autos, não se coaduna com a esperada do homem médio; personalidade do denunciado incompatível com o padrão médio da sociedade”. O trecho em referência consta da dosimetria da pena realizada pelo Presidente do Tribunal do Júri da Comarca de Sirinhaém, interior de Pernambuco, após condenação pelo corpo de jurados daquela localidade. Objeto de recurso de Apelação perante o Tribunal de Justiça, a pena foi mantida pela Corte.

Evidencia-se no trecho da decisão citada que o magistrado em questão utilizou o barema do chamado “homem médio” para valorar negativamente as circunstâncias judiciais na individualização da pena. Contudo, de tal valoração não restou claro quais foram os parâmetros axiológicos que definiram o “padrão médio” da conduta social e da personalidade, valorados na sentença como circunstância judicial negativa. 

No entanto, o certo é que as circunstâncias consideradas “fora de padrão” pelo magistrado representaram acréscimo de pena ao condenado. Mais precisamente, por conta das circunstâncias “conduta pessoal” e “personalidade”, foram acrescentados dois anos adicionais na pena-base, que passou do mínimo legal, 12 (doze) anos, para 14 (quatorze) anos. 

Não são raras as decisões que se utilizam de um padrão de ser humano médio para fundamentar ou mesmo individualizar a imposição da pena. Isto permite fazer reflexões sobre aquilo que se entende como culpabilidade do fato e do autor. Também permite questionar qual o paradigma utilizado para medir um padrão dito “médio” de conduta social ou personalidade. Esquemas dessa natureza podem interferir no juízo de condenação ou absolvição de alguém. Em última análise, agir de acordo com a expectativa de conduta de um ser humano médio pode representar a diferença entre ser condenado ou absolvido. Ser estranho a tais padrões, por sua vez, pode ser fundamento – ou pretexto – para imposição de pena a um indivíduo concreto. 

O modelo do “homem médio” repercute também na dosimetria da pena, representando dias, meses ou anos adicionais de punição por conta de um modelo hipotético de pessoa construído na sentença e que se diferencia do réu. Nesse contexto, o presente artigo pretende discutir, a partir de uma concepção de culpabilidade individualizante, a suposta legitimidade da imposição de padrões generalizantes a partir do chamado “cidadão médio”. 

Para tanto, estabelece-se as relações entre o chamado “homem médio” e baremas generalizantes de culpabilidade, em seguida, demonstra-se como tais juízos, utilizados para fundamentar eventuais condenações, não se coadunam com a valorização de diferenças próprias de um Estado Democrático e multicultural. 

CONFIRA O ARTIGO COMPLETO

 

Sebastian Borges de Albuquerque Mello

Doutor em Direito pela UFBA. Professor Adjunto do PPGD/UFBA. Advogado. 

EMAIL: sbam@terra.com.br 

LATTES: http://lattes.cnpq.br/2042697331981933 

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3051-2966

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