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Opinião

Ser Mulher – Por Suilane Novais Lima

Suilane Novais Lima é advogada, professora e presidente do Instituto TEAR. Formou-se em Direito pela Faculdade Independente do Nordeste (Fainor) e tem Pós Graduação em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera do Rio de Janeiro. Ela também atuou como presidente da OAB Mulher de Vitória da Conquista entre 2019 e 2021.

Foto: Arquivo Pessoal

Por: Suilane Lima

“Ser Mulher”, no meu sentir tem conceito multifacetado, está além do gênero. É entender que vivemos em um mundo feito pelos e para os homens, e por eles ainda majoritariamente gerido, dominado. Entretanto, é também entender que somos por natureza, obstinadas. O equilíbrio nesse cenário, ainda que distante, requer busca ininterrupta de igualdade, de mais mulheres ocupando espaços de poder que amplamente são ocupados pelo gênero masculino. Contudo, não se trata de disputa de força entre homens e mulheres, mas sim de compreender que somos iguais em competências e habilidades e assim devemos ser naturalmente vistas e respeitadas.

​De outra banda, ouso em certas circunstâncias discordar com todas as vênias dos que creem que nós mulheres somos subestimadas, em que pese isso ocorra em determinadas situações, mas vislumbra-se também e talvez a percepção de que em algumas tarefas, a mulher tenha inclusive desempenho melhor, digno de destaque, visibilidade, reconhecimento. Possivelmente, neste momento surgem problemas de aceitação para uma sociedade e um mundo historicamente machista e misógino. É comum, por exemplo, se acreditar que a mulher é inadequada para determinados seguimentos e funções, como os da política, da advocacia criminal, dos negócios ou de alguns esportes, visto que ao longo do tempo esses postos têm sido ocupados pelo sexo masculino, um claro cerceamento secular.

​“Ser Mulher” impõe incontáveis desafios, é buscar conciliar carreira profissional, acadêmica, vida social e a maternidade sem deixar de ser mulher. É igualmente compreender que “ser mulher” não nos torna “guerreiras”, é saber que precisamos de autocuidado e que também temos fragilidades apesar dessa nossa força ancestral. Ao correr os olhos pelas linhas escritas por João Guimarães Rosa, é entender que “O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e depois esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. Decerto que a coragem citada por Rosa é requerida de todos, mas de nós mulheres é inegavelmente exigido mais, e por vezes esse cenário é equivocadamente romantizado quando deveria dá lugar à reflexão, a mudanças de paradigmas, a compreensão de que mulheres acertam, erram, ensinam e aprendem umas com as outras, com os outros, consigo mesmas e que tudo faz parte dos processos individuais e/ou coletivos de evolução. Às mulheres é permitido falhar e não carregar culpas. 

​O Brasil não é adequado ao gênero feminino, tendo em vista que mulheres ainda recebem remuneração menor que os homens mesmo desempenhando as mesmas funções. Além disso, o País é ainda o quinto que mais mata mulheres no mundo, aponta o “Anuário Brasileiro de Segurança Pública”, e essa violência em sua maioria ocorre dentro da própria casa. O cenário que atualmente é mais favorável que o do Século XX, de lá para cá se conquistou Direito ao Voto, foi possível a inserção de mulheres no mercado de trabalho nos bancos acadêmicos. Entretanto carece de muitos avanços e todos eles passam pela sociedade como um todo e deve servir de alerta para o Estado Brasileiro que necessita urgentemente pensar e concretizar um ambiente que possibilite a mulher “Ser Mulher” sem os riscos, desafios e calvários ainda tão contundentes, cotidiano. É tempo de reflexão para daí, dá espaço às celebrações, para flores.

Suilane Novais Lima é advogada, professora e presidente do Instituto TEAR. Formou-se em Direito pela Faculdade Independente do Nordeste (Fainor) e tem Pós Graduação em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera do Rio de Janeiro. Ela também atuou como presidente da OAB Mulher de Vitória da Conquista entre 2019 e 2021.

A conquista de um importante direito: o de decidir quem construirá o nosso futuro — por Abiara Dias Abrantes

Abiara Dias Abrantes é advogada. Formou-se em Direito pela Universidade Federal da Bahia, é pós-graduada em Direito das Famílias e Sucessões e é Secretária Geral da OAB — Subseção Brumado.

 

Foto: Arquivo Pessoal

 

Por Abiara Dias Abrantes

 

Mês de março: o mês das mulheres; 08 de março: Dia Internacional da Mulher! Apesar de muitas de nós, mulheres, afirmarmos que todos os dias são nossos — e, de fato, os são, pois, os nossos enfrentamentos são diários —, no mês de março, ganhamos holofotes para chamarmos atenção às nossas lutas. O dia 08 de março, então, é, sobretudo, a memória de um dia de muita luta e um despertar para o que nos falta conquistar!

 

Há 49 (quarenta e nove) anos, desde o Dia da Instituição do Dia Internacional da Mulher, tivemos muitos avanços para os direitos femininos; mas, com a licença para a realização de um recorte histórico e geográfico, permita-nos falar de um dos mais importantes direitos conquistados pelas mulheres no Brasil: os direitos políticos! A razão para este recorte temático reside no fato de que, sem a possibilidade de decidirmos o nosso futuro, dificilmente conseguiríamos avançar no combate à desigualdade de gênero, pois, parafraseando Milton Nascimento, apenas “quem traz no corpo uma marca, Maria, Maria, mistura a dor e a alegria”.

 

Retomemos, então, o aspecto histórico dos direitos políticos das mulheres no Brasil.

 

O voto feminino foi instituído no ano de 1932 e, em 1934, este essencial direito democrático foi instituído na Constituição Federal: isto significa dizer que, provavelmente, muitas das bisavós dos leitores deste texto, nasceram sem o direito de escolher quem lhes representava! Somente em 1965, a mulher obteve a igualdade de direito políticos e, em 1995, foi instituída a cota para as eleições de mulheres. 

 

Na recente história dos direitos políticos femininos, apesar dos significativos avanços mencionados, continuamos a enfrentar grandes dificuldades na efetiva participação política feminina e, por consequência, na instituição de políticas públicas para as mulheres. Apesar de a legislação eleitoral tentar evoluir, o número de mulheres a ocupar o cenário político ainda está muito aquém do que deveríamos ter de representação e entender a evolução dos direitos políticos das mulheres é compreender a situação em que as mulheres estão hoje.

 

Se não há efetiva participação feminina nas esferas de poder, também não há o debate feminino e a construção de vias viáveis para o avanço na igualdade de gênero. As conquistas das mulheres neste País foram, em sua maioria, marcadas por vozes femininas que adentraram os espaços de poder para serem ouvidas e terem os seus direitos garantidos e não conseguiremos pensar em futuro sem considerar quem o está, nos dias de hoje, o construindo!

 

Ao memorar as batalhas travadas e as a travar, acaso tenhamos de, neste mês de holofotes para as mulheres, destacarmos as lutas conquistadas e as que ainda temos a conquistar, destacamos a necessidade de promover o efetivo direito político às mulheres para que possamos ter condições efetivas de ocuparmos os espaços políticos e construirmos, a partir das nossas marcas e vivências, os caminhos para a desejada igualdade. Reflitamos, então, quem está, hoje, construindo o nosso futuro?

 

Abiara Dias Abrantes é advogada. Formou-se em Direito pela Universidade Federal da Bahia, é  pós-graduada em Direito das Famílias e Sucessões e é Secretária Geral da OAB — Subseção Brumado.

O que é ser Mulher? — Por Gabriela Garrido

Gabriela Garrido é delegada da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) e presidente de honra do Instituto TEAR.

 

Foto: Arquivo pessoal

 

Por Gabriela Garrido

 

Posso começar dizendo que ser mulher é, sobretudo, desafiador.  É verdade, avançamos em alguns aspectos, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido.  Também não podemos tratar todas a mulheres como se tivessem as mesmas demandas, como uma massa homogênea de seres. Não são. Para algumas o avanço é mais visível, para outras não. As necessidades de uma mulher pobre que vive em uma comunidade rural é diversa da de uma mulher pobre de zona urbana, que é diversa de uma mulher de classe média. A realidade das mulheres negras não e mesma das mulheres brancas.

 

Todas essas mulheres têm em comum viver em uma sociedade centrada no macho, onde os valores são medidos de acordo com as regras dos homens.  Todas elas tem sobre si uma carga de trabalho doméstico muito maior do que a dos homens, são responsáveis pelo cuidado das pessoas hipossuficientes da família, sejam elas as crianças, os idosos ou os doentes. Continua sendo a maior – às vezes a única —  responsável pela segurança emocional, harmonia e união dos integrantes. Às vezes é cobrada e se cobra em relação a aspectos ligados à limpeza, cozinha e manutenção em geral do lar. As que reivindicam igualdade nas responsabilidades familiares são consideradas “difíceis”. Eu me pergunto quando me dizem que sou “difícil” eu devolvo a pergunta “difícil para quem”? Obviamente eu sei a resposta, mas quero levar meu interlocutor a resposta óbvia. Sim, eu sou difícil para esse tipo de homem.

 

No âmbito profissional as cobranças maiores continuam. Somos comparadas e julgadas por critérios dos Homens. No trabalho, os resultados, o clima da equipe, o bom relacionamento, a inteligência emocional, o conhecimento técnico, a agilidade nas tomadas de decisão são igualmente exigidos, em uma dimensão ainda maior do que é exigido de seus colegas.

 

Louca, agressiva, encrenqueira. A assertividade pode ser muito pejorativa às mulheres. Há um certo desconforto ainda em habitar espaços de poder, em desenvolver uma liderança própria, em assumir as próprias ambições. Isso nos   tira do lugar de boas moças, tão cobiçado ainda por muitas. O acesso da mulher em espaços de poder é algo historicamente recente e percentualmente ainda muito inferior ao dos homens. Ainda somos um corpo estranho nos altos ambientes de poder, principalmente de poder Político.  Até 2016 não havia banheiro feminino no senado e ainda hoje somos mesmo de 15% nos cargos do executivo e legislativo em todo o país, embora sejamos 52% das eleitoras. Isso impacta diretamente na qualidade e quantidade de políticas públicas voltadas para as mulheres. Mas isso é uma outra e longa conversa.

 

Ainda temos um lado cruel e obscuro da sociedade patriarcal: A violência. Mulheres tão diversas em suas trajetórias carregam em comum a dor da violência de gênero.  Quanta força e determinação as mulheres precisaram para começar a sair deste lugar de violência. Sim, começar a sair, porque é um longo processo. Percebam o quanto ainda tentam impor as mulheres um lugar menor, de subserviência, de menos valia e que esse lugar muitas vezes nos é imposto por aqueles que mais amamos. Sintam o quanto ainda é pesado carregar o fardo de ser mulher em um sistema social que nos impõem o que, quando e como devemos ser, e quem ousa sair deste roteiro já traçado precisa pagar um preço alto para simplesmente ser o que é: a mulher que sai do sistema precisa ser PUNIDA.

 

Percebam, também, que não é luxo ou privilégio que as mulheres contem com lei protetiva e serviço especializado: isso é vital para que elas possam sair destes locais de sofrimento e opressão com o mínimo de apoio e acolhimento, que no mais das vezes são negados a estas mulheres até pelas suas famílias. Observem estes serviços são a porta de saída deste local, e o quanto ainda é necessário contar com essa porta de saída. Espero que educarmos nossos filhos e investindo em políticas públicas educacionais efetivas um dia — quem sabe? — tais serviços não sejam mais necessários. Mas hoje são mais que necessários, são serviços essenciais que devem receber o investimento e atenção que a vida das mulheres merece para que se garanta a elas um direito humano fundamental que ainda lhes é negado: o direito a viver em paz e sem violência!

 

Termino com um desafio que acredito que temos que propor as mulheres que alcançam as posições de poder: sejam inteligentes e abram mais espaço para que outras mulheres alcancem estes ambientes. Facilite o caminho. Apoie. A competição feminina — tão falada e ainda presente — só interessa a um grupo de pessoas: homens que não querem que as mulheres ocupem o lugar de equidade que é seu por direito.

 

Gabriela Garrido é delegada da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) e presidente de honra do Instituto TEAR.

Dia Internacional dos Direitos Humanos: Temos apenas que comemorar ou há muito que questionar? — Por Carolina Amorim

Foto: Arquivo Pessoal

 

Por Carolina Amorim

 

Estamos em uma semana na qual se celebra a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que ocorreu há 75 anos. 

Motivo de comemorarmos, mas sem falsas ilusões, pois estamos longe de ver essa Declaração ser aplicada integralmente, na prática.

É um texto lindo, mas que, por vezes, não acessa a todos indistintamente. 

Por isso, não adianta apenas aplaudirmos, reverenciarmos e nos orgulharmos da Declaração, sem retirarmos o filtro da ilusão. As desigualdades, as guerras, os preconceitos e a ausência de um acesso à justiça integral estão aí para provar o que digo. 

Não devemos negar que nessas sete décadas, ela promoveu o desenvolvimento da internacionalização dos direitos humanos, sendo que o seu recado inicial é perfeito: todos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. 

Isso mesmo, o óbvio também precisava ser dito.

De qualquer sorte, ao ler os artigos que alimentam a declaração, reflito como a realidade ainda está longe de ser como determinam esses dispositivos legais, uma vez que atuando como Advogada na área criminal, me deparo diariamente com violações diretas a direitos e garantias resguardados neste texto internacional. 

Querem exemplos? 

Vejamos:

  • Em diversos casos, pessoas são presas sem um conjunto probatório mínimo que justifique uma custódia cautelar; 
  • Os locais de cumprimento de pena, muitas vezes, não oferecem o mínimo de dignidade para o custodiado, na verdade, o STF já reconheceu o Estado de Coisas Inconstitucionais dentro do sistema carcerário do Brasil (ADPF 347); 
  • Pessoas permanecem presas preventivamente por longo período, respondendo por um processo sem um desfecho célere, ou seja, o devido processo legal não funciona na realidade; 
  • A pobreza é criminalizada, diversos cidadãos e cidadãs que residem em bairros periféricos sofrem violência policial durante abordagens, ocorrendo com muita frequência relatos de casos de torturas e até mesmo de violação de domicílio a pretexto de “é um flagrante”; 
  • O Tribunal da mídia sensacionalista que espetaculariza o crime, por diversas vezes, sentencia pessoas sem uma condenação com trânsito em julgado, induzindo a sociedade a acreditar que aquela matéria trouxe toda a verdade processual, fazendo assim com que a presunção de inocência apenas exista nos livros de direito constitucional. 

Se deixar, ficaríamos aqui por horas narrando situações que caracterizariam violações a Declaração Internacional de Direitos Humanos. E, tudo que descrevi, infelizmente, acontece diariamente, em todos os cantos do nosso país. 

Avanços existiram, porém, estamos longe de ver os Direitos Humanos serem reconhecidos em todos os setores de nossa sociedade.

 

Carolina Amorim é advogada, graduada em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb); especialista em Ciências Criminais; pós-graduanda em Tribunal do Júri; assessora Jurídica do Sindicato dos Servidores Públicos do Município de Brumado/BA; vice-presidente da comissão de Direitos Humanos da OAB/Brumado-BA e membro do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP); membro da atual Diretoria do Conselho de Segurança
(Conseg) do Município de Brumado/BA.

Garantias e Proteções Legais para Trabalhadores e Trabalhadoras com câncer – Por Monteiro Segundo

Foto: Arquivo pessoal

Por Monteiro Segundo

O diagnóstico de câncer é uma realidade dolorosa que impacta profundamente a vida de milhões de pessoas em todo o mundo. Com o objetivo de atenuar e até auxiliar no enfrentamento dos desafios pessoais e emocionais a serem enfrentados, os trabalhadores e trabalhadoras que encaram essa condição também têm direitos específicos assegurados pela legislação brasileira. 

O ordenamento jurídico brasileiro tem como fundamento a valorização do ser humano e a proteção de sua dignidade, princípios este que devem ser incorporados às relações de trabalho. Dessa maneira, o diagnóstico de câncer não apenas provoca a necessidade de tratamento, mas também faz surgir uma série de garantias para os trabalhadores acometidos pela neoplasia maligna.

Um dos direitos mais relevantes para o trabalhador ou trabalhadora com câncer é o de, na hipótese de incapacidade para o labor, solicitar o Benefício por Incapacidade Temporária (Auxílio-doença), que irá garantir-lhe a manutenção da sua renda durante o período de afastamento do trabalho. Esse auxílio é concedido pelo INSS mediante a comprovação da incapacidade laboral temporária.

Observa-se ainda que, embora inexista lei específica que assegure estabilidade para trabalhadores e trabalhadoras que retornem ao labor, mas ainda estejam em tratamento contra o câncer, a dispensa em tal condição pode ser considerada discriminatória e anulada pela Justiça do Trabalho, com base no entendimento da Súmula 443 do Tribunal Superior do Trabalho: “DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO. Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego”.

Também é possível elencar outros direitos sociais[1], como:

  • Direito ao Saque do FGTS: na fase sintomática da doença, o trabalhador cadastrado no FGTS que tiver neoplasia maligna, ou que tenha dependente portador de câncer, poderá fazer o saque do FGTS;
  • Direito ao Saque do PIS/PASEP: O PIS na CAIXA e o PASEP no Banco do Brasil, pelo trabalhador cadastrado no PIS/PASEP antes de 1988, que estiver na fase sintomática da doença, ou que possuir dependente portador de câncer;
  • Isenção do Imposto de Renda para Aposentados e Pensionistas: Os pacientes estão isentos do IR relativo aos rendimentos de aposentadoria, reforma e pensão, inclusive as complementações. Mesmo os rendimentos de aposentadoria ou pensão recebidos acumuladamente não sofrem tributação, ficando isento quem recebeu os referidos rendimentos;
  • Concessão de Aposentadoria: é possível ainda a concessão de benefício por Incapacidade Permanente (Aposentadoria) quando a incapacidade para o trabalho seja considerada definitiva pela perícia médica do INSS. Tem direito ao benefício o segurado que não esteja em processo de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, assim como poderá ter o auxílio acrescido em 25%, caso necessite de assistência permanente de outras pessoas, nas situações previstas no anexo I, do Decreto 3.048/99.
  • Quitação do financiamento de imóvel: na hipótese de concessão da aposentadoria é possível ainda requerer a quitação do financiamento da casa própria, caso exista esta cláusula no seu contrato. Para isso deve estar inapto para o trabalho e a doença adquirida após a assinatura do contrato de compra do imóvel.

Ao trabalhador com câncer também é reconhecido o direito de requerer horário de trabalho especial, uma vez comprovada a necessidade, visando a compatibilidade com o tratamento médico. Essa medida busca garantir a continuidade do emprego, adaptando as condições de trabalho à situação de saúde do empregado.

É fundamental ainda que os empregadores não somente tenham ciência como também efetivem os referidos direitos, adotando uma postura humanizada e colaborativa diante da situação enfrentada pelo trabalhador com câncer. O emprego de políticas internas que promovam o respeito, à permanência e a concessão de licenças para tratamento de saúde contribuem não apenas para o cumprimento da legislação, mas também para a construção de ambientes de trabalho mais solidários e empáticos.

Assim sendo, forçoso concluir que a legislação brasileira proporciona um arcabouço jurídico sólido para assegurar os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras que enfrentam o desafio do câncer. A possibilidade de estabilidade no emprego, a licença para tratamento de saúde e o benefício por incapacidade temporária são instrumentos fundamentais para garantir a proteção social e a dignidade daqueles que, inclusive diante de adversidades, continuam a contribuir para o desenvolvimento do país.

[1] Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes/direitos-sociais-da-pessoa-com-cancer

Monteiro Segundo é advogado, graduado em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), graduando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), mestre em Políticas Sociais – Trabalho e Questão Social, na Universidade Católica do Salvador (UCSAL), pós-graduado em Direito Processual Civil e Direito Previdenciário pelo Instituto Damásio de Direito. Pós-graduando em Direito Digital do Trabalho, Compliance Trabalhista e LGPD pelo pelo Instituto Verbo Jurídico, membro do Núcleo de Estudos do Trabalho (NET) da UCSAL e atuou como advogado da Procuradoria Jurídica e de Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Bahia (2018-2022).

Infância e Juventude – A Necessidade de um olhar atento, diário e constante – Por Ana Caroline Trabuco

Foto: Arquivo Pessoal

 

Por: Ana Caroline Trabuco

 

Mais um 12 de outubro… Uma data simbólica e necessária para lembrar a todos que as questões que envolvem crianças e adolescentes são as mais diversas, estão sempre na pauta do dia, com temas delicados e sempre desafiadores, como trabalho infantil, violência sexual, gravidez na adolescência, alienação parental, relação entre o uso indiscriminado das redes sociais e saúde mental, só para ficar em alguns poucos exemplos.

 

Este ano, o Estatuto da Criança e do Adolescente completou 33 anos e segue como umas das principais ferramentas legais na defesa dos direitos de crianças e adolescentes. Os importantes e inúmeros avanços, por outro lado, evidenciam a necessidade da continuidade de um trabalho diário e constante, de um olhar sempre atento, para que possamos assegurar a efetividade das garantias previstas no ECA.

 

E isso, como estabelece a Constituição Federal, “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. 

 

Sem medo do clichê e sem qualquer exagero, a vida e a dignidade de nossas crianças e adolescentes são, efetivamente, o futuro da nossa nação, mas que, de acordo com estatísticas lamentavelmente alarmantes, tiveram suas infâncias e juventudes roubadas pelo desrespeito a seus direitos enquanto pessoas em condição especial de desenvolvimento, levando consigo as marcas dos mais diversos tipos de violência.

 

Assim, os debates, a divulgação e a conscientização de todos quanto a temas que são muito caros ao país, se mostram cada vez mais urgentes, no intuito de multiplicar boas práticas e fortalecer a proteção integral de nossos pequenos e jovens.

 

E, nesse sentido, vale divulgar o sistema de proteção a crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, instituído pela Lei n. 13.431/2017. Trata-se do Depoimento Especial e da Escuta Especializada, mecanismos criados como medidas de proteção a menores em situação de violência, a qual, nos termos do artigo 4º da referida lei, pode ser física, psicológica – no que se incluem bullying e alienação parental -, sexual (abuso, exploração, tráfico de pessoas), institucional e patrimonial.

 

Enquanto a Escuta Especializada é uma entrevista com a criança ou o adolescente sobre a situação de violência perante órgão da rede de proteção, limitado o relato estritamente ao necessário, o Depoimento Especial é procedimento de oitiva dessa criança e desse adolescente perante a autoridade policial ou judiciária.

 

Ambos visam evitar a revitimização, ouvindo a criança e o adolescente vítima ou testemunha de violência na menor quantidade de vezes possível, sempre em local apropriado e acolhedor, com infraestrutura e espaço físico que garantam a privacidade, resguardando-os de qualquer contato, ainda que visual, com o suposto acusado ou pessoa que represente ameaça, coação ou constrangimento. Por esse motivo, são também conhecidos como depoimento sem dor ou depoimento humanizado.

 

Há trabalhos em todo o país no estabelecimento de fluxos e políticas de atendimento, visando a integração das ações de toda a rede de proteção para que os sistemas de justiça, segurança pública, assistência social, educação e saúde adotem suas ações, de forma articulada e coordenada, com vistas a uma maior efetividade e menor revitimização pelas instituições.

 

Na Bahia, o Tribunal de Justiça já conta com salas de Depoimento Especial que seguem todo o protocolo para a oitiva de crianças e adolescentes em situação de violência, sendo a comarca de Vitória da Conquista uma importante referência no assunto, com boas práticas no particular. Onde, por um esforço conjunto, do sistema de justiça, prefeitura, conseguiram instalar sala de depoimento especial

 

Vale esclarecer, por fim, que, apesar de bem mais utilizadas pelas Varas da Infância e Juventude, assim como pela DERCCA – Delegacia de Repressão a Crimes contra a Criança e o Adolescente -, as Salas de Depoimento Especial podem ser requisitadas por advogados, promotores e/ou Magistrados, se houver a necessidade de oitiva dos menores envolvidos em ações que tramitam perante as varas de família, cujo objeto seja, por exemplo, a modalidade de guarda a ser fixada no melhor interesse do menor, ou até mesmo alienação parental.

 

O Superior Interesse e a Proteção Integral de crianças e adolescentes são o bem da vida a ser tutelado, como dever diário de todos – família, Estado e sociedade civil – sendo fundamental o esforço conjunto e coordenado dos sistemas de justiça, segurança pública, saúde, educação e assistência social na construção de soluções mais efetivas para as complexas e urgentes questões que envolvem as necessidades e os direitos dos menores e que escapam ao alcance da letra fria da lei.

 

É preciso, portanto, seguir na busca constante de caminhos que permitam que crianças sejam crianças e possam sonhar com um futuro melhor, sem jamais perder a esperança na construção de um país mais justo e solidário.

 

[1] Art. 227, caput, da CF/88. Grifos e negritos acrescidos.

 

Ana Caroline Trabuco é advogada especialista em Direito de Família e de Sucessões, mestre em Família na Sociedade Contemporânea pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL), presidente da Comissão de Proteção à Criança e ao Adolescente da OAB/BA, desde 2019 e presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões na Bahia (ADFAS).

Como os médicos podem proteger judicialmente a sua atuação na relação com pacientes — Por Flávia de Mello

Foto: Arquivo Pessoal

 

Por Flávia Mello

 

No dia 18 de outubro é celebrado o Dia do Médico no Brasil, que tem origem cristã em decorrência de também ser celebrado o Dia de São Lucas, um santo que em vida – conforme registros – foi médico e, por isso, é considerado o protetor dos médicos pelos católicos.

 

A medicina é uma profissão das mais antiga, os médicos e a medicina são mencionados na Bíblia diversas vezes, havendo de início a concepção de que o enfermo estava sob as mãos de divindades retirando do médico as consequências das decisões tomadas, uma vez que ele era o “instrumento” divino, uma espécie de sacerdote envolto de poder sobre os corpos. 

 

Posteriormente coube à Hipócrates o distanciamento das práticas místicas, a racionalização da medicina e consequente abertura ao saber científico deixando o médico de ser um instrumento dos deuses, mas ainda se mantendo a noção de poder entre o médico e paciente em uma relação paternalista. Neste modelo, cabia – única e exclusivamente – aos médicos a tomada de decisões acerca da saúde do seu paciente, vez que – segundo a ética hipocrática – a medicina era exercida segundo os critérios da beneficência pelo que as decisões médicas sempre seriam tomadas em prol da saúde do indivíduo, não carecendo da prévia anuência do paciente. 

Entretanto, essa relação concebida na antiguidade – e por mui tempo desenvolvida, cada vez se faz menos presente. Na realidade de hoje – com a massificação das relações sociais, surgimento de novas tecnologias e a possibilidade de acesso às informações, a relação médico-paciente tem se distanciado e se apresentado cada vez menos pautada na confiança irrestrita. Hoje o paciente tem lançado mão do poder de questionar a conduta dos profissionais médicos, evidenciando sua autonomia como fator elementar em determinadas situações saindo-se cada vez mais da relação antes paternalista para a de compartilhamento de decisões entre os sujeitos envolvidos.

Neste novo contexto, nem sempre as relações se dão da forma como esperada, pois nem sempre as expectativas são supridas, não por descaso do profissional, mas, sim, em decorrência das particularidades de cada um, de uma comunicação deficiente, dentre outros. Não há como dimensionar de forma exata e específica aquilo que o outro espera das nossas ações, mas numa relação de cuidado é sempre necessária uma escuta atenta e qualificada, bem como se alicerçar de informações e cuidados – a fim de evitar eventuais situações que possam alimentar ruídos de informações desencadeando até mesmo eventuais processos judiciais, que para demandas do tipo são longas, desgastantes e caras. 

Assim, para o melhor exercício de sua profissão, com confiança e autonomia, o profissional médico deve estar atento, primeiramente, para as normas de conduta estabelecidas em seu Código de Ética. Em caso de dúvidas, o melhor proceder é formalizar um questionamento perante seu Conselho Regional, a fim de se ter uma manifestação formal que lhe traga segurança em sua atuação evitando que incorra em alguma irregularidade e eventual futuro processo ético-disciplinar.

Também como forma de assegurar a sua atuação, é recomendável que o profissional médico sempre que possível procure estar assessorado por profissionais da área jurídica com conhecimento específico na área. Não é novidade a progressiva quantidade de demandas em que médicos figuram como parte, pelos mais variados motivos, e nas mais variadas esferas – sejam elas ética, cível ou penal. Assim, buscar um acompanhamento jurídico tem-se mostrado como a melhor das estratégias. 

O conhecimento jurídico das eventuais consequências da atuação pode precaver o profissional médico quanto a importância do preenchimento de um prontuário; do uso de uma letra legível nos registros e prescrições que venha efetuar; do que fazer em situações de alta a pedido do paciente, e como e onde registrar; das questões de sigilo, ou em que o profissional deve proceder de outra forma; das situações relativas aos plantões que venha, ou deixe de realizar; dos cuidados que se deve ter ao atuar como diretor técnico ou clínico; o que pode publicizar como qualificação técnica, e como deve fazer, já que isso pode incorrer em infração ética; no apoio técnico para a elaboração de termos de consentimento livre e esclarecido que realmente alcancem o fim a que se destinam, não documentos genéricos que largamente não vem sendo aceitos pelos conselhos e pela jurisprudência atual; na elaboração de documentos médicos que realmente guardem relação com a sua prática, e que realmente possam trazer a segurança e todas as informações necessárias, a fim de lhe resguardar e comunicar de forma eficaz ao seu paciente, ou outro profissional de saúde, ou qualquer outra pessoa as informações que ali contenha; todos os cuidados que se deve ter em virtude da LGPD, ainda mais tendo em vista os dados sensíveis que se tem acesso;  orientação quanto a necessidade, e termos, na contratação de seguros responsabilidade; bem como o acompanhamento em demandas que já configure como parte buscando, inclusive, outros meios de resolução deste conflito como uma eventual conciliação, mediação, arbitragem, o uso desses meios de forma combinada, ou outras ferramentas, mas sempre fornecendo a segurança e conhecimento técnico e jurídico que o profissional médico necessita para a gestão da situação.

No mais, é também fornecer as informações quanto as possibilidades e cuidados que se deve ter com a publicidade médica. O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou recentemente, em 13 de setembro de 2023, a Resolução CFM nº 2.336/2023, que dispõe sobre publicidade e propagandas médicas e que começará a valer a partir de março de 2024. Tal resolução busca adequar a publicidade médica aos meios de comunicação tecnológicos, ainda que com certos limites e precauções. Então, o profissional – mesmo com a ampliação que será dada – deve estar atento para evitar eventual infração ética por algo que seria evitável.

Na medicina, como não poderia deixar de ser, é o Código de Ética Médica que norteia a profissão. No entanto, seja em função do tempo corrido, da grande necessidade de se aprimorar constantemente na parte técnica, nem todos têm em mente todos os detalhes do Código, bem como toda a nossa legislação e entendimentos dos CRMs, CFM, e jurisprudência sobre temas da área na cabeça. Portanto, a melhor conduta de cuidado do médico para com si, ao nosso ver, é este buscar a sua qualificação e atualização para garantir o bem-estar do seu paciente, e para a melhor execução de sua atuação profissional com confiança e segurança estar bem orientado juridicamente, sempre buscando ter a sua disposição profissionais e ferramentas que possam auxiliá-lo na prevenção, minimização, ou melhor gestão de eventuais questionamentos ou conflitos que surjam.

 

Flávia Mello é advogada há 12 anos. Pós-graduada em Direito Médico, Bioética e Direito à Saúde e Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade Baiana de Direito. Membro da Comissão Estadual de Saúde Pública da OAB Bahia (2022-2024), Membro da Comissão de Direito Médico e Saúde da OAB/BA, Subseção de Vitória da Conquista (2022-2024), Membro do Conselho de Ética e Pesquisa do Hospital da Bahia, Salvador/Bahia (CEP HBA). Ela também é participante de grupos de pesquisa nas áreas de Direito Sanitário, Direito à Saúde, Direito Médico e Sistema Multiportas de Resolução de Conflitos. Atualmente ela compõe o Grupo de Estudos Aplicados em Direito Sanitário “Nelson Rodrigues dos Santos” (GEADS/IDISA).

Fundamentos do Direito à Cidade – Cláudio Carvalho e Raoni Rodrigues

Foto: Arquivo Pessoal

INTRODUÇÃO DO LIVRO “FUNDAMENTOS DO DIREITO À CIDADE”, LANÇADO EM 2023

Por que “introduções” e não simplesmente “introdução”? A cidade não é um objeto de análise dotado de apenas uma via de entrada. Podemos ingressar em seu território das mais diversas formas: pelo sistema viário, pelas linhas férreas, por um aeroporto, por um cais… Não se trata, pois, de uma “casa com apenas uma porta”.
Do mesmo modo, os diferentes “cômodos” dessa complexa moradia chamada cidade possuem inúmeras portas que os ligam entre si e são percorridos de diferentes formas, em diferentes tempos e intensidades, seja a pé, de ônibus, de metrô ou por outra via. Alguém que chega de avião em uma cidade como São Paulo e passa dois dias transitando apenas nos elitizados bairros do quadrante sudoeste da capital não terá uma impressão semelhante à de quem chegou de trem em uma grande estação de transbordo e se dirigiu a algum bairro da periferia, sempre disputando milímetros de espaço com a multidão.
Mesmo para aqueles que transitam pelos mesmos espaços, a cidade poderá ser interpretada, vista e sentida de diferentes formas. As experiências de vida, o conhecimento de mundo, o meio de locomoção, são alguns dos fatores que interferirão na leitura desses espaços. Mesmo que atravessem as mesmas portas, as pessoas lançam seus olhares para diferentes janelas e constroem diferentes ideais de vida urbana.
No campo teórico, a cidade também revela ser uma realidade de muitas portas. Os recantos urbanos são exemplos perfeitos de como um mesmo fenômeno pode ser objeto dos mais diversos ramos do conhecimento. Na verdade, a interdisciplinaridade não é apenas um mecanismo de efetivação metodológica; trata-se, na maioria dos casos, da única forma possível de as Ciências Humanas captarem as particularidades do objeto analisado. É necessário que os diferentes agentes que abordam a realidade urbana (arquitetos, urbanistas, sociólogos, operadores do Direito, antropólogos, geógrafos, economistas, militantes de movimentos sociais, administradores públicos e tantos outros) ingressem conjuntamente nesse campo teórico e prático, cada um por sua porta, para que as particularidades dos fenômenos citadinos não escapem pela abertura que se revelar desocupada. Na fluidez da cidade, o conhecimento é fugidio.
Não por acaso, temos grandes exemplos de cientistas que, ao procurar compreender a realidade urbana, irão encontrar boa parte das respostas em áreas distintas do seu ramo de conhecimento – ou seja, aprenderão a atravessar outras portas. David Harvey, geógrafo estadunidense, irá explorar a fundo as questões econômicas que movem a especulação imobiliária e acabam por comprometer a produção de cidades mais justas; Alessia de Biase, arquiteta italiana, utilizará procedimentos da Antropologia para propor novas formas de se visualizar e interpretar o fenômeno urbano; e o que dizer de Milton Santos, outro geógrafo, cujas abordagens sobre as cidades da periferia do capitalismo são carregadas de princípios metodológicos da Antropologia, da Sociologia e da História?
A própria expressão “Direito à Cidade” não foi criada por um jurista, mas por um sociólogo – o francês Henri Lefebvre, que, em 1968, lançou obra homônima. Desde então, o Direito à Cidade tem sido debatido por cientistas das mais diversas áreas, que o tomam não apenas como objeto de estudo, mas, acima de tudo, como bandeira e como utopia.
E o que seria o Direito à Cidade? Ele é tratado mundialmente como um inovador direito fundamental ligado às condições de dignificação da existência humana, da igualdade, da liberdade. Ele também é um direito continente, que carrega dentro de si os conteúdos dos principais direitos sociais, como moradia, educação, trabalho, saúde, dentre outros. O Direito à Cidade, ao mesmo tempo em que sustenta que as pessoas devem se instalar devidamente na cidade e ter acesso à infraestrutura urbana (direito de apreensão), defende que cada indivíduo seja um idealizador de sua própria urbe, possibilitando a construção de realidades externas mais compatíveis com seus anseios e expectativas (direito de obra).
Buscando um enfoque mais crítico, a presente obra não se ocupará apenas da delimitação do conteúdo do Direito à Cidade. De fato, antes mesmo da discussão conceitual, é imprescindível que nos debrucemos sobre a contextualização do cenário onde se busca a sua realização, bem como lançar luzes sobre os principais obstáculos a sua materialização.
Pensando no cenário global e nos obstáculos interpostos ao pleno exercício do Direito à Cidade, constatamos que o enfoque sobre a efetivação de qualquer direito fundamental não pode se dissociar de uma teoria crítica que questione o próprio modelo de desenvolvimento econômico vigente. Como concretizar valores de justiça social e qualidade de vida nas cidades, se os valores dominantes de nosso tempo são a concorrência, a individualidade, o consumismo?
O sistema capitalista, ao se apropriar da cidade, mercantiliza seus espaços e transforma a qualidade de vida em um bem de elevado preço, que poucas pessoas conseguem obter. A vida urbana se torna um mero item de consumo (HARVEY, 2013), já que as condições mais básicas para a sobrevivência são constantemente negadas à população desfavorecida economicamente: habitação, saneamento básico, serviços de saúde e segurança pública. É um sistema que costuma cobrar um preço para cada porta que se queira atravessar. E o que é o Direito à Cidade, se não a possibilidade mais real de tornar essas travessias mais acessíveis.

Cláudio Carvalho

É graduado em Direito pela Universidade de Taubaté.

Mestre em Direito pela Universidade Católica de Santos.

Doutor em Desenvolvimento e Planejamento Urbano pela Universidade de Salvador.

Professor Titular de Direito Ambiental, Urbanístico e Agrário da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

Raoni Rodrigues

Graduado em Direito pela Faculdade de Tecnologia em Ciências
Pós-graduado pela Universidade Federal da Bahia

A obra será lançada na quarta-feira, 17, às 18h, no Teatro Glauber Rocha, na Uesb de Vitória da Conquista.

Responsabilização de fraudes à cota de gênero no processo eleitoral: A proposta da Ministra Maria Cláudia Bucchianeri – Carina Canguçu

Foto: Ricardo Oliveira

A proposta da Ministra Maria Cláudia Bucchianeri apresentada na última terça-feira, 18, em julgamento no Tribunal Superior Eleitoral, é clara, coerente e objetiva: Os dirigentes partidários devem ser obrigatoriamente parte das ações que investiguem fraudes no tocante à cota de gênero no processo eleitoral.

O sentido proposto pela Ministra do TSE se baseia no fato de que, em muitos casos, as sanções são apenas aplicadas às mulheres candidatas, que, por mais que tenham participado do ilícito, são a parte mais vulnerável da equação, justamente quem a lei pretende proteger.

A reflexão que precisamos fazer é sobre a quase óbvia e necessária participação dos dirigentes partidários neste tipo de situação, que dificilmente ocorreria sem a anuência de quem está a frente das siglas. Há alguns estudos, inclusive, que demonstram casos em que sequer as candidatas sabem que estão concorrendo à determinado pleito.

Defender a cota de gênero é defender, na prática, a democracia. Sim, o sistema democrático precisa ser, de fato, uma realidade com a participação de todos e todas, de forma diversas, plural e com oportunidades para além de qualquer paradigma histórico. As mulheres são necessárias em qualquer ambiente decisório, seja na politica, na sociedade civil e, claro, na justiça.

Chamar os dirigentes partidários para esta conversa não quer dizer, naturalmente, que todos eles sejam partícipes de uma fraude. Absolutamente. É preciso ampliar a conversa. E como pontuado pela ministra Maria Claudia, “significa apenas que a compreensão do contexto geral em que praticada a conduta fraudulenta é indispensável para distribuição justa e simétrica da sanção pessoal de inelegibilidade, realidade só descortinada com a participação daqueles que são legalmente responsáveis pela formação e apresentação de lista de candidaturas”.

Vale destacar que, caso a orientação proposta seja aprovada, só será aplicada em processos a partir das Eleições de 2024.

Carina Canguçu Virgens

Desembargadora do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia;
Formada em Direito pela Universidade Católica do Salvador;
Especialista em Direito Administrativo pela Faculdade Baiana de Direito;

Integra o Colégio Permanente de Juristas da Justiça Eleitoral;
Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Política.

 

Dia Internacional da Mulher: O que se “Comemora”? – Leonellea Pereira

Foto: Angelino de Jesus

 

Por: Leonellea Pereira

 

Todos os anos, o dia 08 de março é explorado pelo comércio como uma data para vender presentes ditos “femininos” – produtos domésticos, eletrônicos, flores, chocolates – e “parabenizar” a mulher pelo seu dia. Mas qual a origem e o real sentido desta data? 08 de março foi oficializado como Dia Internacional da Mulher pela Organização das Nações Unidas – ONU em 1975, mas já era legitimamente celebrada pelo movimento de mulheres no mundo inteiro desde o início do século XX.

Há muito se reproduz há que em 08/03/1857 ocorreu a primeira greve nos EUA conduzida exclusivamente por mulheres que lutavam por melhores condições de trabalho. Conta-se que as 129 tecelãs manifestantes foram violentamente refreadas pela polícia. Refugiaram-se na própria fábrica, que foi trancada e incendiada: morreram todas, asfixiadas e carbonizadas.

A história do incêndio de 1857 teve origens, provavelmente, em pelo menos três fatos, dois deles ocorridos em Nova York. O primeiro foi uma longa greve de costureiras que durou de 22/11/1909 a 15/02/1910. No segundo, em 25/03/1911, durante um incêndio, causado pela falta de segurança nas péssimas instalações de uma fábrica têxtil, foram registradas as mortes de 146 pessoas, sendo 125 mulheres. As portas da fábrica estavam fechadas para que as operárias não se dispersassem na hora do almoço. E no terceiro, em 08/03/1917, considerada por alguns historiadores como uma greve espontânea, trabalhadoras do setor de tecelagem na Rússia paralisaram suas atividades e pediram apoio aos metalúrgicos.

Mais à frente, no início do século XX, mulheres de vários países se organizaram em torno da reivindicação por sua participação política, o Movimento Sufragista. Em 1928, no estado do Rio Grande do Norte já era permitido o voto feminino, mas apenas em 1932 foi conquistado o direito ao voto para as mulheres em todo o Brasil, incorporado à Constituição Federal de 1934. Mas o voto só era obrigatório às mulheres que exerciam funções públicas, passando a ser universal apenas na Constituição de 1946. 

Aprendemos com essas mulheres que a luta pela igualdade de direitos é digna e vale a pena, que a questão da autonomia econômica, da participação efetiva na política e do enfrentamento à violência doméstica são temas de grande valia para toda a sociedade. É importante não esvaziar o sentido da data e compreender as razões pelas quais ainda é preciso avançar na defesa dos direitos das mulheres!

 

Leonellea Pereira

Advogada, presidente da OAB Subseção Irecê, professora universitária, e doutoranda em Direito pela Universidade de Brasília (UnB).

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